domingo, 30 de março de 2014

Golden mountains & long nights. Ou de como as ideias de David Hume podem resgatar percepções a partir da memória.

Paul Gauguin, Les montagnes tahitiennes, 1893


“Quando pensamos numa montanha de ouro, não fazemos mais do que juntar duas ideias compatíveis entre si, ouro e montanha, que já conhecemos anteriormente. (...) Em resumo, todos os materiais do pensamento derivam da sensação interna ou externa; só a mistura e composição destas dependem da mente e da vontade. Ou, para expressar em linguagem filosófica, todas as nossas ideias ou percepções mais fracas são cópias de nossas impressões, ou percepções mais vivas.”
David Hume, Investigação sobre o entendimento humano



domingo, 23 de março de 2014

coisas que combinam




Grande concerto de Orlando Santos hoje no TEMPO, em Portimão.

(A minha paella também não estava nada má, há que dizê-lo com toda a frontalidade.)

sexta-feira, 21 de março de 2014

Dia Mundial da Poesia.

casa da avó, Tondela, 2013


Casa

"Há azulejos no chão o chão frio. Sei
Que está frio porque por aqui ando
Descalça de mim. Frio.
Para não me perder no frio.
No frio que não sai da minha janela no frio
Que sai de mim.
Tiro sempre os sapatos antes de entrar
Nesta casa.
Não saio. 
Não saio daqui.
Inspiro expiro inspiro expiro inspiro.
Este linóleo velho beijado por ti o 
Teu suor. Ainda vejo marcas
No chão só marcas no chão.
Marcas perenes. Já só há
Marcas eternas das quais me despi
Ao comprar azulejos novos.
Há um zumbido nos meus sapatos que me persegue.
Todo o dia todo o dia
Sempre. 
Só quando fecho a porta é que te ouço:
Quis uma vez o sabor do
Teu corpo
Quis sentir-te o odor a sangue na minha boca suja.
E queimar-te o amor com
Beijos.
Quis viajar-te a boca 
Com carinhos e saber
A que cheira o teu suor comigo.
A que cheiro eu
Quando acordo.
A que cheira a solidão.
Houve em mim o som do guizo de quando pisava folhas secas
Mexeram-me as memórias numa sopa de confusão
Que me arde ao fundo da garganta.
E eu paro só
Por medo
Do que aí vem.
Esqueci-te a voz de quando
Chorava.
E não me lembro do desalento fora da palavra 
Prenderam-me na resina de um pinheiro velho.
Quando me mexo sou parte do tronco quente.
Escondo-me dentro das tuas roupas; a nu
Ouço melhor ouço os passos
As vozes as malditas vozes 
E os murmúrios doces.
Há brisa nos batimentos
Que ouço cá dentro.
Como se ainda tivesse casa.
Como se ainda tivesse coração."


 (Fotografia de Maria Miguel Café, poema e vídeo de Maria Miguel Café e Tatiana Rodrigues. Retirado daqui.)

Informações adicionais fornecidas pelas autoras:

A IDEIA

Esta é uma experiência que se construiu ao longo de uma jornada de medos e questões. Terminou no palco de uma aula de Literatura Portuguesa mas viveu muito para além do meio académico. Interprete-se como um auto-desafio provocatório. Com muitas informações em falta sobre o percurso e o conceito, este é o produto de um trabalho conjunto, que teve como principal finalidade um poema... e uma ideia: a Casa.

FILMES UTILIZADOS
(sem ordem)

"Le Scaphandre et le Papillon" de Julian Schnabel
"Bright Star" de Jane Campion
"Dead Poets Society" de Peter Weir
"Like Crazy" de Drake Doremus
"Pleasantville" de Gary Ross
"Her" de Spike Jonze
"Le fabuleux destin d'Amélie Poulain" de Jean-Pierre Jeunet
"Into The Wild" de Sean Penn
"Annie Hall" de Woody Allen
"Lost In Translation" de Sofia Coppola
"Submarine" de Richard Ayoade
"Mr. Nobody" de Jaco Van Dormael
"Dancer In The Dark" de Lars von Trier
"Corpse Bride" de Tim Burton e Mike Johnson
"Cloud Atlas" de Tom Tykwer, Andy Wachowski e Lana Wachowski
"Away We Go" de Sam Mendes
"Nuovo Cinema Paradiso" de Giuseppe Tornatore


MÚSICA

Dustin O'Halloran - Fragile N.4

quarta-feira, 19 de março de 2014

Primavera.

René Magritte (Bélgica, 1898-1967), A Primavera, 1965
Não sei como é que acontece consigo, mas o que me anuncia a Primavera são músicas. Permita-me, portanto, que lhe apresente algumas das minhas andorinhas especiais. 

Funciona assim: quando sinto que não posso deixar de as ouvir, chegou a Primavera. Em mim, claro, não necessariamente no mundo.

(Mas, vendo bem, quem quer saber do mundo quando é invadido pela Primavera?)




A propósito dos Happy Mondays (uma das bandas da editora Factory, tal como os míticos Joy Division ou New Order) e do excitante ambiente musical de Manchester nos anos 80, sugiro o filme "24 Hour Party People", realizado por Michael Winterbottom: 


Por hoje basta.

E quando a Primavera lhe oferecer flores (antes do tempo), isso é... impulse?


A Primavera visitou-me de véspera.

(Seja como for, nunca fui bom em datas.)





Kafka no Dia do Pai.


Carta ao Pai, de Franz Kafka. 

Um livro extraordinário.

sexta-feira, 14 de março de 2014

Homosexual people love their children too...



Lágrima de Preta (*)

António Gedeão

Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.

Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.

Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.

Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.

Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:

nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.

(*) Substitua “Lágrima de Preta” por “lágrimas de filhos adotivos ou biológicos de pessoa homossexual”.

(Homosexual people love their children too...)