domingo, 19 de dezembro de 2010

Bibliofilmoteca n.º 2: A Filosofia Segundo Woody Allen. Uma sugestão com dedicatória para os amantes de filosofia e do cinema de Woody Allen.



   
CONARD, Mark T. , SKOBLE, Acon J. (ed.), A Filosofia Segundo Woody AllenCruz Quebrada, Estrela Polar, 2004, 323 pp.

“Se Deus existe, espero que tenha uma boa desculpa”
Woody Allen

Quem gosta de filosofia vai gostar deste livro. Quem gosta dos filmes de Woody Allen também. Quem gosta das duas coisas (e, ainda, de pensar e falar sobre isso) decerto que vai adorar.
Nesta obra colectiva que mobiliza quinze autores, os filmes de Woody Allen são revisitados a partir dos problemas da filosofia. O modo elegante e divertido como isso é feito é um dos pontos fortes do livro. O outro é a facilidade com que coloca o leitor numa posição de agradável reminiscência em relação aos filmes de Allen vistos há já muito tempo, no ambiente único das salas de cinema de então, antes de terem sido literalmente invadidas pelas pipocas e coca-colas.
Do ponto de vista da filosofia, é longa a lista de problemas, teorias e autores nele incluído. Ética, estética e filosofia da religião são disciplinas muitas vezes abordadas. Platão, Aristóteles, Kant, Nietzsche e Kierkegaard são frequentemente citados e relacionados com os filmes. Deus, castigo, moralidade, sentido da vida, identidade pessoal e felicidade são alguns dos conceitos mais discutidos.
São muitos os filmes abordados no livro. Destacarei apenas um, pelo facto de, para surpresa minha, ter sido o que se diz no livro que me levou ao filme, e não o contrário. Refiro-me a “Crimes e Escapadelas” (Crimes and Misdemeanors), de 1989, o único a “merecer” dois capítulos inteiramente dedicados. 
No capítulo 3, intitulado A Moralidade tem de ser cega? Uma análise kantiana de Crimes e Escapadelas, discute-se a universabilidade que Kant exige para a lei moral. 
No capítulo 13, intitulado Tudo são trevas: Platão, o anel de Gyges e Crimes e Escapadelas, duas das questões filosóficas discutidas são: se nos pudéssemos vingar, recuperar a nossa honra, a nossa riqueza, ou dignidade, através de meios injustos, fá-lo-íamos? Se tivéssemos a garantia da nossa impunidade, seria errado pôr de lado, por uns momentos, a consciência moral e corrigirmos injustiças para benefício pessoal?
Para finalizar, deixo-vos com a cena de abertura do filme “Manhattan”, ao som da “Rhapsody In Blue”, de George Gershwin.


quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Bibliofilmoteca: n.º 1


A bibliofilmoteca é o baú de onde irei retirando, de vez em quando, os filmes e livros de que na altura me apetece falar. Esta é a edição n.º 1.


Título:
O que Sócrates diria a Woody Allen — Cinema e Filosofia
Autor:  Juan Antonio Rivera

Edição original:
Lo que Sócrates diría a Woody Allen, Madrid, Espasa, 2003
Edição portuguesa: Edições Tenacitas, Coimbra, 2006
Tradução: Ana Doolin     Nº de páginas: 340

Citação:

«— Pode aprender-se mais filosofia vendo cinema do que lendo livros?
Não diria tanto, mas aprendi mais com muitos destes filmes do que ao ler alguns dos manuais mais respeitados.»
Juan Antonio Rivera


Juan Antonio Rivera nasceu em Madrid em 1958 e é professor de filosofia do ensino secundário em Barcelona. Tem vários livros editados e participa regularmente em diferentes revistas de filosofia, com destaque para a prestigiada «Claves de Razón Práctica». O que Sócrates diria a Woody Allen é a sua primeira obra sobre cinema e filosofia, premiada com o Prémio Espasa de Ensaio 2003. Do júri deste importante prémio faz parte Fernando Savater, de quem Rivera se considera admirador e cuja influência assume com orgulho, como se depreende do estilo claro e acessível que caracteriza a escrita de ambos.
Rivera define este livro como «uma introdução à filosofia para amantes de cinema e, simultaneamente, uma introdução ao cinema para amantes de filosofia». A estratégia por si utilizada consiste em apresentar e discutir os problemas, as teorias e os argumentos filosóficos a partir do cinema. Este estilo de divulgação da filosofia ao grande público insere-se numa tendência recente que tem vindo a conquistar cada vez mais adeptos, quer entre os professores de filosofia do ensino secundário, quer, inclusive, entre professores catedráticos de conceituadas universidades dos E.U.A., Inglaterra e Espanha, principalmente. Refiram-se, por exemplo, os já clássicos Taking the red pill. Science, Philosophy and Religion in The Matrix, de G. Yeffeth e The Matrix and Philosophy. Welcome to the desert of the real, de W. Irwin; ou, ainda, Philosophy goes to the movies. An introduction to philosophy, de Christopher Falzon e Matrix. Filosofía y Cine, de Concepcíon Pérez García, este último vencedor em Espanha do Prémio Aula 2006, que distingue trabalhos originais da autoria de professores. A última «aventura» nesta área é a colecção americana «Popular Culture and Philosophy» (os autores, sob a coordenação do catedrático W. Irwin, são maioritariamente professores universitários de filosofia), cujas obras relacionam a filosofia não apenas com o cinema, mas também com as séries de televisão, a banda desenhada, a literatura ou a música. Alguns dos mais recentes livros desta colecção têm os títulos sugestivos de A família Soprano e a filosofia (Mato, logo existo), Seinfeld e a filosofia, Super-heróis e a filosofia, Os Simpsons e a filosofia, Harry Potter e a filosofia ou O Hip-Hop e a filosofia...
              O que Sócrates diria a Woody Allen é essencialmente uma iniciação à ética. A maior parte dos temas/problemas pertence ao património perene da filosofia: o amor, a morte, a felicidade, a racionalidade, o mal, a acrasia, o acaso, a formação do gosto moral, entre outros. Mas há também teorias filosóficas que são convocadas, ilustradas e analisadas de modo por vezes surpreeendente. A alegoria da caverna de Platão, a hipótese do génio maligno de Descartes e a máquina de experiências de Robert Nozick são disso exemplo. Quanto aos 25 filmes seleccionados pelo autor, importa dizer duas coisas. A primeira é que o principal critério de escolha foi a sua relevância filosófica, e só depois a sua qualidade estética. A segunda é que, apesar disso, o autor nos presenteia com uma criteriosa selecção de filmes, desde clássicos a filmes mais recentes, que têm o condão de criar em nós, leitores, uma fascinante «reminiscência» cinematográfica. Além disso, desperta-nos um renovado interesse por filmes já vistos e quase esquecidos ou, ainda, por aqueles filmes nunca antes vistos cuja vontade de ver já tinha sido esquecida. A título de exemplo: Casablanca, Blade Runner, Citizen Kane, Desafio Total, Há Lodo no Cais, Matrix, Laranja Mecânica, Hannah e as suas Irmãs, Truman Show, O Efeito Mariposa, Dr. Estranho Amor, Parque Jurássico, etc., etc.
            O que Sócrates diria a Woody Allen pode ser uma autêntica lufada de ar fresco para os professores de filosofia. A sua leitura constituirá, decerto, uma brainstorming fascinante e imprevisível, um laboratório sempre renovado de ideias e estratégias inesgotáveis. Imagine-se, por exemplo, esta espécie de trailer filosófico: como distinguir a realidade da ilusão? Será possível que um ser mau e poderoso me esteja a fazer sentir e pensar que é real o que, afinal, não passa de uma mentira perversa? Uma sugestão para os alunos: coloquem-se no papel de Neo e Truman e… pensem!
            O que Sócrates diria a Woody Allen é um desafio que coloca frente a frente o mais antigo dos saberes com a mais recente das artes. Atreva-se e aceite-o: take the red pill

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Livre arbítrio e insucesso escolar: dois exemplos reais para reflexão



«Correio da Manhã», 7/9/08. Reportagem sobre o abandono escolar e o insucesso.  Vejamos como dois jovens entrevistados explicam o seu insucesso escolar.

João, 22 anos, família rica, já chumbou 4 vezes: «Os meus problemas começaram quando fui expulso do colégio. Tive que sair porque não podiam ter alguém como eu a perturbar as aulas». João padece de uma doença de foro neurológico chamada Síndrome de Tourette, que o leva a ter tiques motores e vocais involuntários que não consegue evitar (faz movimentos bruscos e grita na sala de aula, por exemplo).

Sofia, 17 anos, família pobre, já chumbou 3 vezes. Assume que andou «na balda» durante uns tempos e aponta como uma das causas as «más companhias».

Ambos justificam a sua conduta com factores exteriores à sua vontade: João com a doença, Sofia com as influências sociais.

A pergunta é: faz sentido responsabilizá-los pelo seu insucesso?