sábado, 15 de dezembro de 2012

Os filmes Matrix e Vanilla Sky e a hipótese cartesiana do Génio Maligno, por Tatiana Nora

Quando, há uns anos, comecei a utilizar o cinema nas minhas aulas de filosofia, este foi um dos trabalhos de alunos que me deram o sinal de que valia a pena continuar. Por isso retribuo agora com a publicação do artigo, entretanto enviado pela autora via facebook. Obrigado, Tatiana!


Tatiana Nora
ex-aluna da Escola Secundária Manuel Teixeira Gomes



Os filmes Matrix e Vanilla Sky
e
a hipótese cartesiana do Génio Maligno

por

Tatiana Nora

Neste trabalho irei abordar o problema da realidade e o problema da liberdade associados à hipótese cartesiana do génio maligno e mostrar de que forma estes estão retratados nos filmes Matrix, dos Irmãos Wachowsky, e Vanilla Sky, realizado por Cameron Crowe.
A hipótese do génio maligno, também designada por “dúvida hiperbólica”, por ser uma hipótese bastante exagerada, foi imaginada por René Descartes, um filósofo do século XVII, e diz que pode existir um ser semelhante a Deus, mas perverso e maldoso, que nos manipula, nos ilude e nos engana em relação ao que acreditamos ser verdade, podendo tudo ser apenas uma espécie de “realidade virtual”. Afirma Descartes:

“Vou supor, por consequência, não o Deus sumamente bom, fonte da verdade, mas um certo génio maligno, ao mesmo tempo extremamente poderoso e astuto, que pusesse toda a sua indústria em me enganar. Vou acreditar que o céu, o ar, a terra, as cores, as figuras, os sons, e todas as coisas exteriores não são mais que ilusões de sonhos com que ele arma ciladas à minha credulidade.”

Esta hipótese foi proposta por Descartes quando este começou a pôr tudo em causa, utilizado a sua dúvida como método para chegar a uma verdade absoluta (o cogito) e provar que existe conhecimento, e assim conseguir refutar a tese do cepticismo, que diz que não existem verdades absolutas e, consequentemente, não há conhecimento.
No filme Vanilla Sky, a hipótese do génio maligno não está retratada na perfeição, embora David, o protagonista, viva alguns momentos de realidade virtual, que podem remeter para esta hipótese. Resumido o filme em poucas palavras: David, um homem bonito e bem sucedido, tem um acidente em que fica desfigurado e a partir daí a sua vida desmorona-se. Desesperado, David procura uma solução e encontra na internet uma empresa, chamada Extensão de Vida, que promete fazê-lo viver uma vida perfeita, mas em realidade virtual, empresa com a qual David acaba por assinar um contrato. É exactamente nesta parte que Vanilla Sky se diferencia da hipótese do génio maligno. Em dois aspectos: o primeiro é que, ao assinar o contrato, David está a escolher ser “enganado”, e a hipótese do génio maligno diz que pode existir uma espécie de Deus mau que nos engana a todos, mas este não nos dá a escolher se queremos ou não ser enganados; o segundo é que David, e as outras poucas pessoas que assinaram o mesmo contrato com esta empresa, são as únicas a ser “enganadas”, e segundo a hipótese de Descartes, todas as pessoas são enganadas pelo génio maligno. Neste filme, a única coisa que nos remete para a hipótese do génio maligno é o facto de que, embora David tenha assinado o contrato para viver numa realidade virtual, enquanto está a vivê-la não sabe que o está a fazer. Em relação ao problema da realidade, neste filme temos a hipótese de assistir a dois tipos de realidades: a realidade “real” e a realidade virtual, e David só consegue distingui-las no final do filme, quando descobre que tinha assinado o contrato com a empresa Extensão de Vida. Quanto ao problema da liberdade, neste filme vemos claramente que David é livre, pois é ele próprio que escolhe viver na realidade virtual, e embora esteja imóvel e preso à máquina, mesmo assim ele tem a hipótese de escolher voltar a viver uma vida real.
No filme Matrix, a hipótese cartesiana do génio maligno está tão bem retratada sob a forma das máquinas, que até podíamos considerá-las como sendo o “génio maligno do século XXI”. Neste filme, com excepção de um pequeno grupo de humanos livres que vivem no mundo real, aproximadamente no ano de 2199, todos os outros humanos do mundo estão a viver numa realidade virtual, que julgam ser o mundo real, através de um programa de computador, o Matrix, ao qual estão ligados através das máquinas sem qualquer hipótese de escolha, tal como na hipótese de Descartes do génio maligno. O pequeno grupo livre, cujo objectivo é ganhar a guerra que está a haver entre os humanos e as máquinas, para poderem libertar o resto da humanidade, é constituído por pessoas que sobreviveram às máquinas e por outras que viviam na realidade virtual, mas que, por desconfiarem que a Matrix existia, foram “desligadas” das máquinas e trazidas para o mundo real. Foi desta forma que Neo, o protagonista do filme, foi trazido para a realidade:

Neo: “Neste momento estamos dentro de um programa de computador?”
Morpheus: “É assim tão difícil de acreditar?”

Em relação ao problema da realidade, tal como no filme Vanilla Sky, Matrix também conjuga a realidade real com a realidade virtual, mas neste filme é possível aos personagens que não estão ligados às máquinas perceberem se estão na realidade real ou na realidade virtual, pois eles é que escolhem o momento em que querem entrar na Matrix. Quanto ao problema da liberdade, só uma pequena minoria da humanidade é livre, todos os outros estão presos às máquinas sem poderem sair de lá.
Na minha opinião, ambos os filmes retratam o problema da realidade de forma parecida, pois ambos têm momentos de realidade “real” e de realidade “virtual”, embora em Matrix os personagens consigam distinguir as realidades uma da outra e em Vanilla Sky o personagem não consiga. Já o problema da liberdade é abordado de forma diferente, sendo que a forma como é abordado em Matrix tem mais a ver com a hipótese do génio maligno de Descartes do que no filme Vanilla Sky.


1 comentário:

  1. Já estou trabalhando com cinema e filosofia há um tempo. espero que possamos trocar experiências.

    http://filocinetica.blogspot.com.br/

    ResponderEliminar