FILOSOFIA EM FAMÍLIA, é assim que lhe chamo. A ideia é esta: escrevo pequenas "cartas" filosoficamente provocatórias dirigidas aos pais dos meus alunos. Nelas estão apresentados de forma clara e intuitiva os problemas filosóficos que andamos a debater nas aulas. Espero com isto que o debate se prolongue lá em casa, até porque os pais devem saber o que os seus filhos andam a aprender na escola. É também um bom pretexto para pais e filhos conversarem entre si. A filosofia, que discute problemas que intrigam e nos fazem pensar, também pode servir para isso.
Deixo aqui a última "carta filosófica" que enviei aos pais dos meus alunos. O tema é a filosofia política. A quem pensa que a filosofia não tem nada a ver com a realidade do dia a dia deixo aqui um desafio especial: o que é que os impostos e a proibição de fumar têm a ver com a filosofia?
SITUAÇÃO 1: O Estado deve redistribuir a riqueza?
O Cristiano Ronaldo tem rendimentos milionários, o Zé da Silva ganha cerca de 500 euros por mês num restaurante. O Zé da Silva paga o imposto mínimo, o Cristiano Ronaldo paga a taxa máxima para os mais ricos, que em Portugal é superior a 40% de tudo o que ganham. É justo?
A: SIM. O Estado tem o direito (e o dever) de redistribuir a riqueza, cobrando mais impostos aos mais ricos para poder dar apoio social aos mais pobres. Cada cidadão deve contribuir para o bem comum na proporção dos seus rendimentos. É com esse dinheiro que o Estado constrói escolas, hospitais, estradas, etc., e apoia os mais necessitados. Chama-se a isto justiça social.
B: NÃO. O Estado não tem o direito de se apropriar da riqueza que os cidadãos juntaram de maneira honesta e legal. A redistribuição da riqueza é ilegítima. Não está certo que aqueles que triunfaram na vida sejam obrigados a dar uma boa parte do seu dinheiro aos que não o conseguiram.
SITUAÇÃO 2: O Estado tem o direito de interferir nos hábitos dos cidadãos (Ex.: proibição de fumar em quase todos os locais fechados)?
A: SIM. O Estado deve defender a saúde dos cidadãos, proibindo práticas em locais que ponham em causa a saúde pública. Neste caso, o direito (individual) de fumar é menos importante que o direito (colectivo) à saúde.
B: NÃO. O Estado não deve interferir em aspectos da vida privada das pessoas. Cada um é livre de escolher o que quer fazer da sua saúde. O Estado está a violar direitos dos cidadãos.
SITUAÇÃO 3: Está certo favorecer aqueles que são discriminados na sociedade?
Numa sociedade em que as mulheres sejam discriminadas no acesso a alguns tipos de empregos (chefias de empresas, por exemplo), está certo adoptar uma lei que obrigue a favorecer as candidatas do sexo feminino como forma de compensar a discriminação de que são alvo?
A: SIM. Chama-se a isso «discriminação positiva» e significa que se favorecem intencionalmente pessoas pertencentes a grupos que sejam habitualmente discriminados pela negativa (as mulheres, neste exemplo). A discriminação positiva é uma medida temporária, até que a percentagem de mulheres nos diferentes empregos esteja de acordo com a percentagem de mulheres na sociedade.
B: NÃO. É uma forma injusta de tentar resolver o problema. Não está certo que um candidato a um emprego não seja escolhido, apesar de ser o mais qualificado, porque existe uma lei que dá preferência a quem ficou em 2º ou 3º lugar e é escolhida apenas porque pertence a um grupo socialmente discriminado. É injusto para quem merecia o emprego e foi rejeitado e pode até criar problemas a quem é admitida, porque pode ser acusada de ter o emprego não por ser melhor, mas por ser mulher.
Já pensou e escolheu as respostas certas? Quer saber com que teoria política se identifica mais? Aqui tem as "soluções"...
INTERPRETAÇÃO FILOSÓFICA DOS RESULTADOS:
Maior parte de respostas A: Em termos de filosofia política, as suas posições estão próximas do IGUALITARISMO. Para esta teoria filosófica, a existência de grandes desigualdades é um mal e o Estado deve evitar que elas existam. A IGUALDADE é o valor mais importante.
Maior parte de respostas B: As suas posições identificam-se mais com o LIBERALISMO, que defende que o Estado deve interferir o mínimo possível na vida dos cidadãos. Segundo esta teoria, depende de cada um tentar (ou não...) combater as desigualdades, não deve ser o Estado a tentar impor isso às pessoas. O valor mais importante é a LIBERDADE INDIVIDUAL.
Muito bem Carlos. Muito bem mesmo. Que ideia tão boa e tão simples de executar. Execelente.
ResponderEliminarObrigado pelo comentário, Rolando. Também acho. Abraço
ResponderEliminarÓptima iniciativa. Parabéns. Não se importa que um dia destes eu o copie, pois não?
ResponderEliminarÀ vontade, António! Disponha. Abraço
ResponderEliminarEu gostava que os meus filhos aprendessem a filosofar contigo. Se isso, algum dia, acontecer, eu prometo que vos prestarei da primeira fila o meu contributo. Até lá, resta-me discutir com eles as liberdades, os direitos, os deveres ... de modo a que se edifiquem solidamente para o chamado "bem". Bjs, Emília Rosendo
ResponderEliminarQue palavras simpáticas, Emília! Continua a educar os teus filhos para o bem. Se eu tiver o prazer de ser o seu professor de filosofia tentarei cumprir com a minha função. Entre outras coisas, levá-los a pensar no seguinte: porque é que o bem é preferível ao mal? Bj para ti, amiga.
ResponderEliminarMuito bom!!! Amo Filosofia e agora estou trabalhando a disciplina no ensino médio. Vou indicar seu blog para meus alunos. Eles estão iniciando na arte de blogar.
ResponderEliminarparabéns pela riqueza dos seus trabalho.
Obrigado, Lenira. Felicidades para o seu trabalho com os alunos. Abraço
ResponderEliminaro princípio de interacção com os pais, mesmo o princípio que celebra a interacção entre pais e filhos como continuação da escola, é positívo e aqui deixo o meu elogio. todavia não consigo deixar de separar forma de conteúdo e se sobre aquela já disse "bom", este merece um outro tipo de presença. a filosofia está ancorada na sua história, não a devendo esquecer, dificilmente sai dela para reparar como o que hoje acontece, não sendo totalmente diferente, mudou desde as datas dos escritos estudados. a filosofia política, também ela, retrata muito do que se pode dizer do Homem quer pelo seu lado psicológico quer pelo seu lado sociológico e as opções de resposta, mesmo os exemplos escolhidos, não revelam a complexidade do objecto a que se propõe estudar. ensinemos a pensar, falamos de impostos e perguntemos o que fazer com a fatia de um bolo que o pai fez, sabendo que é por meio dessa fatia que chegaremos ao bolo todo!; comemos a fatia, repartimos a fatia, não a entregamos a ninguém e não usufruimos dela ou cedemos a fatia a quem poderá vingar com ela e dela fazer a distribuição do bolo todo?
ResponderEliminaré uma sugestão, mas volto a elogiar o princípio e a prática.
Obrigado pelo comentário, Maria. Os exemplos foram escolhidos por serem práticos, actuais e intuitivos. Não se pretende esgotar os assuntos, apenas apresentá-los de maneira a que "apeteça" discuti-los de forma crítica. As perguntas que refere são naturalmente relevantes. E são perguntas desse género que os meus alunos formulam e, tanto quanto sei, alguns dos seus pais também.
ResponderEliminarCumprimentos
Estou a tirar Filosofia no Ensino Superior e acho esta ideia fantástica. Se os meus professores de filosofia do secundário tivessem realmente ter querido ser professores de filosofia, teriam iniciativas destas e os meus colegas já não achariam uma "seca". É importante para mim ver que o futuro da Filosofia não é uma utopia. Um abraço e parabéns.
ResponderEliminarObrigado, Laura, pelas simpáticas palavras. Felicidades para o curso e, principalmente, para a vida. Abraço
ResponderEliminarCarlos parabéns pela ideia. Eu também sou professor de Filosofia. Já tinha enviado para casa pequenos textos filosóficos, acessíveis, que os alunos tinham de trazer comentados pelos encarregados de educação.
ResponderEliminarMas a ideia de interpretar filosoficamente as respostas é muito boa.
Ismael Carvalho
Obrigado, Ismael. Abraço
ResponderEliminarCarlos: que saudades tenho de alunos interessados e participativos. Que saudades de aulas de filosofia. Que saudades de diálogos profícuos... tempo que foi, o presente reserva-me um bando de alunos desinteressados, vândalos e pouco dotados (turmas de profissionais e Cef´s que nos põem a pensar se vale a pena :(. Parabéns pelo blogue.
ResponderEliminarObrigado, Dobra, pelos parabéns. De facto, muitos professores de filosofia já não aulas de filosofia há muito tempo. Têm de arcar com coisas como Área de integração (generalidades vagas e muitas vezes triviais), por exemplo. Tenho a felicidade de poder ensinar filosofia e tenho consciência de que sou um privilegiado por isso. Abraço para si!
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