domingo, 3 de novembro de 2013

Um dia, a natureza acabará por cobrir a totalidade dos muros.


Fotografias de Susana Paiva

«Por que havemos de querer a todo o custo constranger o universo conferindo-lhe esta ou aquela forma?», perguntou um dia Neuville. «Eu estou agora a observar desenhos que me enviou, os que representam os ramos das árvores fruteiras presos aos muros e orientados de tal modo que em breve os cobrirão inteiramente. Talvez me considere severo, mais uma vez. Mas por quê torturar as árvores, como o senhor Le Nôtre maltrata os jardins? As antigas árvores fruteiras não produziam em abundância, quando as deixava em liberdade? O mundo não é bonito em si, sem que tenhamos necessidade de intervir tão violentamente? Aceito que seja dever do homem ajudar o mundo a reproduzir-se, mas não dominando-o, limitando-o, como o senhor diz e mostra fazer. Considero que as árvores alinhadas, podadas em ponta, morrem. Só persiste o que cresce ao sabor do acaso.
            «A cultura em latadas permite que as árvores ganhem em produtividade», respondeu o jardineiro; «mas também me agrada pensar que, um dia, a natureza acabará por cobrir a totalidade dos muros. No Verão, a pedra far-se-á vegetal e, no Inverno, o vegetal tornar-se-á pedra. Apraz-me a ideia de que, unindo-os, crio um novo universo em que o tempo é mais lento e a solidão menos intensa. Um mundo fechado em que, no entanto, os horizontes se esbatem. Um novo território até então ignorado pelos homens, onde será bom pensar, caminhar e viver.

RICHAUD, Frédéric, O Jardineiro do Rei, Lisboa, Temas & Debates, 2001, pág. 81

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