domingo, 26 de janeiro de 2014

Elogio da preguiça e das inutilidades

Van Gogh, A Sesta, 1890

Vou contar-vos uma deliciosa anedota, baseada num facto real, que tem a ver com o historiador Alexandre Herculano. Quando perguntaram à velha criada uma opinião sobre o dia a dia do seu célebre patrão, entretanto falecido, terá respondido assim: “O senhor Herculano era um grande preguiçoso: passava os dias a ler e a escrever. Não fazia nada”.

Lembrei-me dela a propósito dos cortes incompreensíveis nas bolsas à investigação científica anunciados pelo governo. Mais ainda do que os cortes em si, o que mais me choca são alguns dos argumentos utilizados. Já alguém disse que estas medidas representam um retrocesso de mais de uma década. Pois bem, a avaliar pelo que alguns responsáveis do governo têm dito (ver aqui), a argumentação recupera pontos de vista muito populares no séc. XIX.

Para além do argumento do “conforto” associado à “preguiça”, outra verdadeira pérola é a defesa da utilidade prática do conhecimento. Mas quanto a isso não vou perder muito tempo. Apoiando-me num forte argumento de autoridade, recordarei apenas o que afirmou Peter Higgs, o “pai” do bosão de Higgs, conhecido popularmente como “partícula de Deus”. Interrogado sobre as implicações práticas da descoberta, respondeu deste modo: “Não temos a menor ideia do que fazer com o bosão” e “ainda não sei como isso pode ser aplicado a qualquer coisa útil” (ver declarações aqui).

Não há que enganar, a velha criada de Alexandre Herculano é quem tinha razão: são uns preguiçosos, passam os dias a ler, a escrever e a estudar. Uns inúteis, portanto.



P.S.- Sobre este assunto, veja-se o excelente artigo de Porfírio Silva aqui

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