POR QUE ATRIBUO A NOTA DE 14 VALORES AO EXAME DE
FILOSOFIA
APRECIAÇÃO
CRÍTICA DA PROVA ESCRITA DE FILOSOFIA
(Prova 714/1ª
fase)
Esta apreciação é feita sem conhecer ainda os critérios de avaliação.
É uma reflexão pessoal de quem foi coadjuvante no exame. Também faço referência
a comentários dos meus alunos na conversa que tivemos no final, devidamente
assinalados.
1. Apreciação global: o
exame é francamente melhor que os dois testes intermédios conhecidos, tendo
sido evitados alguns dos erros apontados naqueles. Se a minha leitura está
certa, os autores optaram por “jogar à defesa”. Aceito esta estratégia
defensiva: se as polémicas se repetissem, tal poderia ter consequências
devastadoras para a credibilidade da disciplina e, eventualmente, para a
continuação do exame. Penso que os autores foram sensatos.
2. Pontos a favor: desaparecem
os conteúdos vagos ou de relevância filosófica discutível (sujeito e objeto, p.
ex.), os conteúdos/autores convocados são relevantes e aparece finalmente uma
pergunta de avaliação crítica (o aluno toma posição sobre um problema
filosófico).
3. Pontos contra:
Predomínio de competências cognitivamente pouco exigentes: “identifique a
tese”, “nomeie” (duas vezes), “exponha” e “explicite”. Pouca importância
atribuída a competências críticas. Continuam a existir erros ou, no mínimo,
opções científica e pedagogicamente muito duvidosas (ver adiante).
4. Comentários ao exame (grupo
a grupo)
4.1. GRUPO I.
Sobre 1.: texto bem escolhido, o que se exige ao aluno é muito pouco
(praticamente apenas competências de interpretação de texto).
Sobre 2: texto bem escolhido, a opção pela escolha múltipla aceita-se,
embora seja também pouco exigente. Sobre 2.1.: avalia-se apenas interpretação
de texto. Sobre 2.2., 2.3. e 2.4.: exigem-se conhecimentos relevantes sobre os
autores, embora as opções certas sejam óbvias. Sobre 3: o texto é irrelevante
para a pergunta, limitando-se a fazer referência à “posição original”. O que se
exige na pergunta tem conteúdo filosófico relevante, tendo o aluno de fazer referência
a outros conceitos fundamentais de Rawls (véu de ignorância, princípio maximin,
justiça como equidade, p. ex.).
4.3. GRUPO II
Sobre 1.: texto bem escolhido. Sobre 1.1.: A expressão “mau uso da
retórica” é valorativa. Deveria ter-se acrescentado: “segundo Platão” ou “a que
o texto faz referência”. Um aluno meu, um “nietzscheniano” convicto,
classificou no final a pergunta como “tendenciosa”. Acho que ele tem razão.
Sobre 1.2.: conteúdo relevante, embora a pergunta seja uma vez mais
pouco exigente (“exponha”...).
Sobre 2.1.: a resposta certa (“pretende obter a adesão livre do
auditório”) utiliza “livre” como relevante para a escolha da resposta certa, o
que não é verdade. Para além de complicar desnecessariamente (o que é uma
adesão livre?), em rigor o carácter “livre” da adesão não é exclusivo da boa
argumentação. Na manipulação retórica o auditório não é propriamente “obrigado”
a aderir, certo?
Sobre 2.3.: A resposta certa (“parecem ser dedutivamente válidos”)
está mal formulada. O que é relevante não é que os argumentos pareçam ser
válidos, mas sim que pareçam e o não sejam. Da afirmação “João parece estar
feliz” não se infere que João não esteja feliz. Os argumentos dedutivamente
válidos também parecem ser dedutivamente válidos...
Sobre 2.4.: A resposta certa (“relação de consequência entre
proposições”) está mal formulada. A relação entre proposições não tem de ser de
“consequência” (seria mais intuitivo apresentar o conceito de implicação).
GRUPO III
Por que não a referência explícita a “inspetor de circunstância”?
GRUPO IV
O texto é bem escolhido.
Sobre 1.1.: pouco exigente (“nomear”)
Sobre 1.2.: pergunta relevante e bem formulada.
Sobre 2.: pergunta algo vaga (confrontar “as ideias expressas no texto
de Hume com o racionalismo de Descartes”), apesar das indicações de resposta
atenuarem em parte a vagueza da confrontação exigida. Alguns dos meus alunos
estavam pouco seguros quanto ao que lhes era exigido. Resta esperar pelos
critérios de correção...
Sobre 3.: finalmente, o aluno pode falar na primeira pessoa!
CONCLUSÃO: apesar das falhas ou opções erradas que, em minha opinião,
o exame tem, penso que hoje foi um dia positivo para o ensino da filosofia. Embora não se tenha ido tão longe quanto seria desejável, estamos na presença de
um exame de... filosofia. E isso é uma boa notícia.
Numa escala de 0 a 20, atribuo ao exame a nota de 14.