sexta-feira, 20 de junho de 2014

Bertrand Russell e Pearl Jam a propósito da última aula do ano


No dia da última aula, cedo o palco a Bertrand Russell. E aos Pearl Jam.

“Além do trabalho normal, (...) os jovens deverão ser encorajados a ler todos os lados da controvérsia e não apenas o lado ortodoxo. Se algum de entre eles tiver sentimentos fortes em relação a um ou a outro dos lados, ser-lhe-á dito para encontrar factos que suportem a sua visão, e para entrar em debate com os outros que sustentem ideias diferentes.

[Nos debates] o professor deverá aprender a não tomar partido por nenhuma das partes, ainda que ele [ou ela] tenha grandes convicções.

Se a maioria dos alunos tomar o partido de um dos lados, o professor deverá tomar o do lado oposto, dizendo que o faz em nome da argumentação.”

Bertrand Russell, On Education


Retirado de Bertrand Russell - Sobre A Educação, por Maria Teresa Ximenez, Ensinar Filosofia? O que dizem os filósofos?, coordenação de Maria José Vaz Pinto e Maria Luísa Ribeiro Ferreira, Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa.


terça-feira, 17 de junho de 2014

Fora eu o seleccionador nacional, entraria em campo com este 11.



Se eu fosse o seleccionador, esta seria a minha selecção.

(Falo de música moderna portuguesa, naturalmente...)















E, para completar o 11 inicial, faltam estas duas pérolas que não consegui incorporar:

Radar Kadafi

Pop Dell'Arte

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Poderá o ato de chicotear alguém ser moralmente certo? Um artigo de crítica filosófica da autoria de João Viana

João Viana, o autor


Poderá o ato de chicotear alguém ser moralmente certo?

por
João Viana

Para realizar este artigo, baseei-me no filme 12 Anos Escravo, que vi recentemente. Este filme relata a história de Solomon Northup, um homem negro livre que é enganado, sequestrado e vendido como escravo no estado de Louisiana, onde a escravatura existe com uma força tal que é vista como algo bastante natural. É, portanto, uma biografia “de um dos tempos mais negros da História do Homem”.

Este filme chamou-me à atenção, principalmente por causa de uma parte que se destaca. Numa das cenas, o “Mestre” (proprietário dos escravos) ordena a Platt – Solomon recebera este nome de forma a esconder a sua verdadeira identidade – que chicoteie Patsey (uma escrava) com toda a força, até se verem os ossos, ou, se não o fizesse, mataria todos os “pretos” que visse à sua frente. Platt, então, pega no chicote e dá-lhe as chicotadas. Aqui, o problema filosófico é evidente: será que Platt fez bem em chicotear Patsey? Ou deveria ter-se negado a chicoteá-la, condenando assim à morte muitos dos que com ele serviam aquele “Mestre”?

É comum, e racionalmente compreensível, pensar-se que o ato de chicotear alguém é moralmente errado. No entanto, também é normal pensar-se que provocar a morte a alguém é igualmente um ato moralmente incorreto.

Platt teve de escolher entre chicotear uma pessoa com toda a força e negar-se a chicoteá-la e, assim, provocar a morte a várias pessoas. Encontra-se aqui, portanto, um dilema, em que parece que nenhuma das opções é acertada. Contudo, é importante analisarmos este dilema filosoficamente, de modo a tirarmos conclusões acerca da escolha que se aproxima mais de uma ação moralmente correta.
Podemos analisar esta situação sob um ponto de vista deontológico e sob um ponto de vista utilitarista.

John Stuart Mill, defensor de uma ética utilitarista, afirma que devemos agir de forma a promover a felicidade geral, ou seja, de forma a maximizar o bem – e, neste caso, arrisco-me a dizer que se adequa mais o termo “minimizar o mal”, por razões que me parecem óbvias. A ideia principal de Stuart Mill é que a ação moralmente certa é a que tem consequências mais valiosas, pelo que é importante ponderar os prejuízos e os benefícios que a sua realização traz a todos os indivíduos. No caso do dilema de Platt, segundo a perspetiva utilitarista de Stuart Mill, a escolha moralmente certa seria chicotear Patsey, pois a morte de várias pessoas seria uma consequência pior que o sofrimento de uma pessoa, ou mesmo que a morte desta, e, portanto, Platt agiu bem.

Já Immanuel Kant, defensor da ética deontológica, afirma que devemos agir por dever, existindo leis morais universais que devem ser cumpridas independentemente das consequências. Este filósofo confere uma grande importância às intenções por detrás das ações. Segundo Kant, “uma vontade é boa não por causa dos seus efeitos ou do que consegue alcançar, nem por ser apropriada para alcançar um dado fim; é boa unicamente através da sua vontade, isto é, é boa em si”. Assim, segundo a perspetiva deontológica de Kant, as ações moralmente certas são aquelas em que há uma intenção ou vontade boa – em relação à ação em si e nunca em relação aos efeitos da mesma ação, isto é, ao fim pretendido com a realização de tal ação – e que são motivadas pelo sentido do dever. Qualquer forma de tortura, pelo sofrimento que provoca, é encarada por Kant como uma ação contrária ao dever, na qual a intenção não pode ser boa, sendo, portanto, uma ação moralmente errada (independentemente das circunstâncias em que é realizada). Assim, podemos concluir que, segundo esta perspetiva, Platt agiu mal ao chicotear Patsey, pois agiu contrariamente ao dever.

Depois de analisado o problema filosófico em questão sob dois pontos de vista tão distintos, resta-nos tirar as nossas conclusões acerca da escolha que Platt deveria ter tomado. Mas estas conclusões são obviamente subjetivas, pelo que cada um terá a sua própria opinião sobre este assunto.

Pessoalmente, sou da opinião de que Platt agiu corretamente, apesar de considerar o ato de chicotear alguém em si mesmo desprezível e de uma grande falta de senso moral. No entanto, analisando bem o problema em questão, parece-me que o facto de se salvarem várias vidas justifica essa tortura aplicada somente a uma pessoa. É, de facto, de admitir seriamente que nenhuma das duas opções consideradas aparenta ser moralmente correta, mas, tentando hierarquizar essas duas opções, olhando às consequências das ações, parece-me óbvio que a tortura aplicada somente a uma pessoa, mesmo que resulte em morte, se sobrepõe, por não apresentar consequências tão más como a morte de múltiplas pessoas. Por este motivo, considero que a escolha que Platt fez corresponde à ação que se aproxima mais de uma ação moralmente certa.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Dedicado aos meus alunos do 11.º ano: até sempre!




Depois de algumas hesitações, regressei a este texto para me despedir de vocês e, deste modo, agradecer-vos o prazer e o privilégio que foi para mim ter sido vosso professor. Fecha-se um ciclo, precisamente com um dos textos de boas vindas à Filosofia que vos ofereci no início do 10º ano. Ilustrado com duas fotografias de Henri Cartier-Bresson, um fotógrafo genial que muito aprecio.
Porque, tal como vos disse hoje na última aula, acredito que o conhecimento, a arte e a cultura fazem de nós melhores pessoas e tornam mais ricas as nossas vidas.
E tinha que haver uma música, claro. Jack Johnson, uma mensagem de esperança para que realizem os vossos sonhos. 

Divirtam-se :)

«Do que você precisa, acima de tudo, é de se não lembrar do que eu lhe disse; nunca pense por mim, pense sempre por você; fique certo de que valem mais todos os erros se forem cometidos segundo o que pensou e decidiu do que todos os acertos, se eles forem meus, não seus. Os meus conselhos devem servir para que você se lhes oponha. É possível que depois da oposição venha a pensar o mesmo que eu; mas nessa altura já o pensamento lhe pertence. São meus discípulos, se alguns tenho, os que estão contra mim; porque esses guardaram no fundo da alma a força que verdadeiramente me anima e que mais desejaria transmitir-lhes: a de se não conformarem. Feche, pois, os ouvidos ao que lhe ensino, se alguma coisa lhe ensino; faça a viagem por sua conta e risco, você mesmo ao leme.»

Agostinho da Silva, in Sete Cartas a Um Jovem Filósofo


domingo, 1 de junho de 2014

Genesis: no início era a Música?

Foto by Maria Miguel Café

Ontem fui assistir a um concerto especial: Steve Hackett Genesis Extended 2014. Uma revisitação da banda mítica inglesa pela mão do seu virtuoso guitarrista e compositor. O concerto foi magnífico. Não era fácil recriar em palco a atmosfera musical dos Genesis, principalmente no que diz respeito à “substituição” de Peter Gabriel. Muito menos agradar a uma plateia conhecedora ao pormenor dos discos em vinil. Mas tudo isso foi conseguido – e muito mais. Dancing with the Moonlit Knight e Supper's Ready foram perfeitos, The Musical Box perfeitamente sublime. Tal como há uns anos realizei o sonho de ver ao vivo Paco de Lucía junto do meu filho João Pedro, desta vez acompanhou-me a minha filha Maria Miguel. (Falta-me, talvez, Van Morrison, mas sei que nessa noite teremos de estar lá todos...)

Depois do concerto fomos beber um copo, conversar e, desse modo, libertar as palavras que precisavam de ser ditas depois de uma noite assim. Uma coisa puxa a outra, e acabámos a comparar o modo como os adolescentes de então e os de hoje vivem a música. E eu, que antevira já neste concerto um pretexto que me levaria inevitavelmente a regressar às minha próprias memórias, achei por bem partilhar convosco este texto. Mais do que um elogio de uma banda histórica, é um regresso a mim, à minha história como pessoa.

Falo de memórias da adolescência. Ávido, inquieto, muitas vezes perdido. Quando a música que ouvia dizia mais sobre mim que tudo o mais. Quando ouvir música era, para um rebelde adolescente orgulhosamente ateu, um ritual espiritual por excelência, uma vivência mística, uma experiência iniciática. Quando caminhar na rua (e não havia phones...) correspondia a uma marcha triunfal ao som da música que ecoava delirantemente dentro de mim, como se um mar de indiferentes se abrisse à minha passagem, celebrando sem o saberem a minha secreta superioridade musical.

Sim, tudo isto fazia todo o sentido. Um sentido original e talvez único, raramente partilhado (tipo um tesouro, dir-se-ia hoje), que funcionava como um escudo invisível que me protegia generosamente da esmagadora maioria da “gente” que à minha volta se arrastava. Principalmente na escola, esse lugar insuportavelmente formatado, onde exigia que me deixassem ser eu próprio sem que, no entanto, soubesse ainda muito bem o que era ou o que queria ser.

Mas que interessava isso, se o que mais importava era saber que tinha deixado já a inércia da mediania e me aventurava numa descoberta sem fim à vista, como se uma força interior que desconhecia (mas reconhecia como minha) me impelisse a mergulhar no desconhecido simultaneamente belo e assustador?

Como muitas vezes acontece, apenas mais tarde descobri as palavras certas para o que me esmagava na altura. Com Cioran, percebi que o que nascia então em mim era a “tentação de existir” e, portanto, a recusa visceral de estar condenado a ser apenas mais uma coisa que existe.

Vendo bem, tudo contribuía para isso. Os discos em vinil (que, religiosamente, se levavam para a escola), a dificuldade em os encomendar (muitas vezes só em Viseu ou Coimbra), o preço e as negociações incontornáveis a fazer com os pais, o pavor de que os discos se riscassem. Havia em tudo isto algo que nos distinguia e que, por estranho que possa parecer, parecia autorizar que nos víssemos como especiais.

Falo agora de mim. Não eram as notas ou os elogios dos professores que me animavam. Gostava disso, claro, principalmente da ideia entretanto difundida de que viria a ser “um escritor”. Mas ali, naquela altura, eu, puto adolescente, não queria saber disso. Sentia-me membro de um reservadíssimo clube de adolescentes especiais, tragicamente incompreendidos pela multidão que, alegre e ruidosamente à nossa volta, exibia sem sequer o saber uma leveza assustadoramente feliz, incompreensível e quase obscena.

Distinguíamo-nos por diversas coisas, mas principalmente pela disponibilidade para ouvir música. Ouvir, sem nada mais. Suspender por horas o mundo e os outros e o que quer que fosse (colocando-nos a nós próprios entre parêntesis). Momentos únicos: sentir que tudo estava finalmente perfeito, pegar no braço do gira-discos e, com o rigor meticuloso de um ato cirúrgico, colocar a agulha no início do disco e voltar rapidamente ao local prévia e cuidadosamente selecionado para uma audição que era uma deliciosa entrega. Total, brutal, quase escandalosamente amorosa.

Não sei bem como explicar, por isso vai mesmo assim: naquela altura ouvíamos álbuns, não curtíamos músicas avulsas. Como qualquer ritual respeitável, um álbum tinha uma sequência concebida pelos seus criadores e assim deveria ser. E se, por hipótese, um tema do álbum nos parecia menos bem conseguido, partíamos do princípio de que a falha era nossa, não dele. Este exercício de paciência e humildade era indispensável para que evoluíssemos musicalmente. A maioria não superava esta prova de fogo e, fosse pelo que fosse, ficava por um patamar mais elementar. Sabíamos intuitivamente quais as músicas ou os álbuns que funcionavam como indicadores de nível de apreciação musical. Era fácil gostar de I Know What I Like, por exemplo, mas quantos reconheceriam a complexidade sublime de Supper's Ready? É também por isso que, para um apaixonado pelos Genesis, a banda acabou realmente com a saída de Peter Gabriel. É absolutamente irrelevante que Trick Of The Tail até não seja um mau álbum. A verdade é que, apesar de Peter Gabriel não ser o Messias, Phil Collins será sempre visto como o Usurpador.  Tratou-se de um caso evidente de ruptura afectiva, que só pode ser escrita assim mesmo, em total desrespeito por esta modernidade insuportável (inevitável?) do acordo ortográfico. Como não preferir a autenticidade original que criou novos mundos em nós, contra os mapas previsivelmente repetidos sobre papel vegetal? Como não perpetuar o movimento inicial, o trilho sublimemente apenas esboçado, o gesto inaugural?

Acredito que as nossa vidas têm uma banda sonora. A da minha adolescência está repleta de músicas dos Genesis, como estaria provavelmente de temas dos Joy Division ou Echo & The Bunnymen se tivesse nascido uns anos mais tarde. Mas isto das bandas sonoras das nossa vidas é um pouco como os paradigmas de Thomas Kuhn: de tão intrinsecamente diferentes, são incontornavelmente incomensuráveis. Como decidir entre os Doors, Beatles ou Joy Division, por exemplo? Razão tinha Vergílio Ferreira quando escreveu que, afinal, não envelhecemos, limitamo-nos a mudar de constelação...

Era mais ou menos isto que queria dizer. E não, não é um ajuste de contas. É apenas uma história que um dia teria de contar. Justamente por uma questão de justiça...

Play me my song,
here it comes again.

Play me my song,

here it comes again.

Just a little bit,

just a little bit more time,

time left to live out my life.

Play me my song,
here it comes again.

Play me my song,

here it comes again.

(Foi praticamente assim)