quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Elogio do livre pensamento (dedicado ao Rui Cunha)


“O bom senso é a coisa mais bem distribuída no mundo: de facto, cada um pensa estar tão bem provido dele, que até mesmo aqueles que são os mais difíceis de contentar em todas as outras coisas não têm de forma nenhuma o costume de desejarem mais do que o que têm.”


René Descartes, in O Discurso do Método

Hoje em dia, quase toda a gente se orgulha de ter opiniões. No nosso país, a generalização da liberdade de expressão conduziu a que todas as pessoas exijam ser ouvidas no que têm a dizer sobre os mais variados assuntos. Ora, a vontade de dar opiniões é uma coisa boa. O respeito pelas opiniões dos outros também. Mas há quem infira daqui a conclusão seguinte: se todos temos direito a ter opiniões, então todas as opiniões são igualmente boas. Penso que esta ideia é errada e perigosa.
É errada, porque do facto de termos o direito a algo não se segue que tudo o que fizermos no uso desse direito seja bem feito. Por analogia, isso equivaleria à afirmação seguinte: se todos os maiores de 18 anos têm o direito de conduzir, então todos os maiores de 18 anos conduzem bem. Como se vê, tal coisa não faz o menor sentido.
Mas esta ideia é também perigosa. Dizer que todas as ideias valem o mesmo é o mesmo que dizer que não vale a pena discutir seriamente nenhuma delas.  Precisamente porque valem o mesmo, confrontá-las deixa de fazer sentido. É paradoxal que um direito herdeiro da defesa da liberdade de expressão seja, desta maneira, transformado numa espécie de clorofórmio que adormece o espírito crítico.
São várias as consequências negativas deste equívoco. Uma delas é o facto deste “pântano” amorfo e acrítico poder transmitir aos menos atentos a ilusão perniciosa de que vivemos numa sociedade que valoriza o livre pensamento, o que está longe de ser verdade. Outra consequência negativa é a seguinte: ao confundirem o debate racional de ideias com uma inócua “troca de galhardetes opinativos”, muitas pessoas acabam por se dispensarem do que é essencial no debate de ideias: apresentar argumentos. Ora, da mesma forma que não há opiniões sem ideias, também não há discussão racional sem argumentos. Uma opinião tem a força dos seus piores argumentos, costuma dizer-se. Ocultá-los é uma desonestidade intelectual que choca com o dever ético de sermos verdadeiros numa discussão.
A adopção mais ou menos generalizada desta atitude pseudo-crítica é o habitat natural onde nascem e germinam os preconceitos. E não me refiro às crenças discriminatórias para com os que são diferentes de nós (racismo e xenofobia, por exemplo), mas a um tipo de preconceito menos visível e, por isso, socialmente mais virulento: as crenças que não submetemos ao crivo da avaliação racional. Neste sentido, uma ideia é um preconceito enquanto não for discutida abertamente sem reserva. Muitas das vezes, conceitos que se utilizam com frequência nas mais variadas discussões públicas não passam, de facto, de preconceitos, ou seja, de ideias que se aceitam por hábito, conforto ou pura preguiça.
É aqui que a filosofia tem um papel insubstituível na sociedade. Sócrates comparava-se a um “moscardo”, porque entendia que a sua função era fazer as perguntas incómodas que obrigavam a pensar. O Rui Cunha era um filósofo. Hoje, Dia Mundial da Filosofia, quero mostrar-vos como ele fazia com rigor e espírito crítico o que tenho estado a defender. Escolhi um texto seu sobre um conceito (preconceito?) muito utilizado no discurso pedagógico: o “facilitismo”. 
Leia-o em http://criticanarede.com/html/facilitismo.html


Obrigado, Rui, e até sempre.

Sem comentários:

Enviar um comentário