terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Até onde devemos dizer a verdade? Um artigo de crítica filosófica escrito pela aluna Denise Fernandes

Denise Fernandes, a jovem autora do artigo


Até onde devemos dizer a verdade?
por

Denise Fernandes

            Até onde devemos dizer a verdade? Com que preço?
Estas foram algumas das minhas perguntas quando assisti a um episódio da série Anatomia de Grey.  Este último episódio da temporada 6 da série, começa por mostrar-nos a raiva de um homem (Gary Clark) que perdeu a mulher nas instalações do hospital onde agora se encontra. O seu objectivo é matar todos os médicos que estiveram relacionados com o que aconteceu com a sua esposa, como o chefe do hospital, a rapariga que desligou as máquinas que pôs fim à vida da sua mulher, o médico que operou e todos os que se metessem entre ele e o seu objetivo.
No decorrer do episódio, o hospital torna-se um sítio onde o pânico é geral. Miranda Bailey, uma médica, encontra-se no quarto duma paciente (Mary), quando Charles Percy, outro médico, entra no quarto dizendo que o homem com a arma se encontra no andar. Miranda diz ao colega para se esconder dentro da casa de banho e diz a Mary para fingir que está morta, e esconde-se debaixo da cama. Gary Clark entra no quarto. Após uns minutos ouve barulho dentro da casa de banho, dirige-se para lá e mata-o quando ele confirma que é médico. Sem aparente razão, Gary desconfia que alguém se encontra debaixo da cama e aí Miranda Bailey tem de enfrentá-lo. Quando Gary lhe pergunta se é médica enquanto lhe aponta uma arma à cabeça, Miranda entre soluços diz que não é médica, mas sim enfermeira, e com isto, Gary Clark pede desculpa pelo incómodo e dirige-se para a saída continuando a sua busca.
Miranda Bailey mentiu, isso é um facto. Admitindo que é errado mentir, ela agiu mal. Mas a pergunta que temos de nos fazer é: qual é o preço da verdade? Miranda mentiu porque percebeu que seria a única coisa que lhe daria a hipótese de continuar com vida. Se Charles tivesse mentido teria continuado com vida, assim como Miranda continuou.
Sinceridade, não mentir, ser verdadeiro: há excepções? Se sim, quais? Como sabemos quando estamos “autorizados” a mentir? Podemos mentir para evitar que o relacionamento acabe? Podemos mentir para evitar que fiquem com uma má imagem nossa? Uma mentirinha dada pelos pais para o filho não ficar como mau exemplo? Um médico pode mentir, se esse mentira for para o bem do paciente?
Segundo Immanuel Kant, não devemos mentir em circunstância alguma, nem para nosso próprio bem ou de alguém que amamos. Um outro filósofo, Benjamim Constante, acha o acto de não mentir um dever. Mas juntamente com o conceito de “dever” há o conceito de “direito”. E onde não há direito não há dever. Ou seja, só quem tem direito de ouvir a verdade a merece.
Penso que no caso de um assassino nos perguntar o local onde uma pessoa se encontra, nós podemos mentir, pois essa pessoa, uma vez que não respeita o dever também não tem o direito à verdade, pois entre manter a nossa honra ou a nossa vida, ou a vida de outro, devemos escolher a vida. Isto é, portanto, uma hierarquia de valores.
Arthur Schopenhauer argumenta que podemos mentir em algumas situações, desde que não haja injustiça. Temos o direito de mentir para própria protecção, pois impedir que um humano se defenda é injusto.
Qual deles está certo? Ou menos errado?
Na minha opinião, se tivesse de escolher entre as três opiniões, excluiria logo a de Kant, pois a vida é um bem que deve ser protegido e não devemos abdicar de uma vida (nossa ou de outra pessoa) só para protegermos a nossa honra.
Não concordo quando Arthur Schopenhauer diz que nós temos o direito de mentir para nos protegermos, porque se assim fosse, um assassino em tribunal estaria autorizado a mentir sobre o que realmente aconteceu para se proteger e isso seria mau para as possíveis próximas vítimas. Resta Benjamim Constante, que hierarquiza correctamente os valores, não colocando a honra primeiro que a vida.
Parece que Miranda não será julgada por ter mentido, pelo menos por alguns.

Fontes utilizadas : Grey’s Anatomy, Sanctuary

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