terça-feira, 13 de maio de 2014

Será a astrologia uma ciência? Claro que não, diz Karl Popper




CLÁUDIA:  Pelo que ouvi, podemos concluir que Karl Popper foi um filósofo muito inovador. Diz-me uma coisa: se tivesses de escolher de entre os seus contributos originais para a filosofia da ciência, que aspectos destacarias como mais importantes?

CARLA:       Hum, deixa cá pensar... Talvez destacasse três aspectos, que até estão interligados.

MARCO:      Qual o primeiro?

CARLA:       O primeiro é, sem dúvida, o facto de ter mudado o critério de cientificidade.

CLÁUDIA:  Que palavrão! Que é que isso significa?

CARLA:       É muito simples. O critério de cientificidade é aquilo que permite dizer que determinado enunciado é científico.

CLÁUDIA:  Já percebi! É uma espécie de “certificado de garantia”: certifica que a teoria que obedecer a esse critério é científica de certeza.

CARLA:       Sim, é essa a ideia. Ora, no método científico simples o critério era a verificabilidade. De acordo com o critério de verificabilidade, podemos afirmar que uma teoria é científica sempre que ela foi verificada experimentalmente, isto é, foi confirmada por um grande número de experimentações.

CLÁUDIA:  Para Popper não é esse, claro...

CARLA:       Pois não. Ele propõe como critério de cientificidade a falsificabilidade. De acordo com este novo critério, uma conjectura só deve ser considerada científica se enunciar com rigor e clareza as condições em que pode ser falsificada. É essa disponibilidade para poder ser refutada que, segundo Popper, caracteriza o verdadeiro espírito científico.

MARCO:      Muito bem. E a segunda inovação?

CARLA:       A segunda decorre da anterior: Popper fornece-nos um critério claro para distinguir uma hipótese científica de uma não científica.

MARCO:      Qual é esse critério?

CARLA:       O critério é este: para uma hipótese ser considerada científica é necessário que essa hipótese possa ser refutada por meio de testes rigorosos. Popper recomenda que formulemos as teorias de maneira tão clara quanto possível, de modo a expô-las à refutação sem ambiguidades. O cientista não se limita a apresentar a sua conjectura; deve também enunciar aquilo que, no caso de acontecer, prova que a sua conjectura é falsa. E depois vai realizar os testes, exactamente para ver se acontece aquilo que era suposto não acontecer.

CLÁUDIA:  Ou seja, vai tentar encontrar cisnes negros...

CARLA:       Já vi que percebeste. É dessa forma que uma teoria genuinamente científica se coloca permanentemente em risco. A ideia é esta: quanto mais falsificável um enunciado for, mais útil é à ciência. Mas, para ser falsificável, ele não deve ser vago: tem que ser claro e directo.

MARCO:      Dá-me um exemplo.

CARLA:       Imaginemos que são cinco para o meio dia. Neste caso, o enunciado “É meio dia em ponto” é falso. Apesar disso, contém mais informação e revela-se mais útil do que este: “Estamos entre as dez da manhã e as quatro da tarde”. Algumas conjecturas utilizam este “truque” (a vagueza) para passarem por científicas.

MARCO:      Referes-te a quê?

CARLA:       Refiro-me à astrologia, por exemplo. Já repararam que as previsões dos astrólogos são sempre vagas? Isso permite encontrar posteriormente alguns acontecimentos que, eventualmente, “encaixem” na previsão feita.

CLÁUDIA:  Pois é, tens razão. Se um astrólogo previr, para o próximo ano, que vão acontecer desgraças num país europeu, quase de certeza que acerta. Mas se ele dissesse exactamente que desgraça seria e qual o país onde ela se iria verificar, então seria facílimo saber se a previsão era ou não verdadeira.

MARCO:      Quer isso dizer que, para Karl Popper, a astrologia não é uma ciência...

CARLA:       Exactamente. Mas não é por ter falhado nas previsões que o astrólogo não merece ser considerado cientista. Isso é absolutamente irrelevante! A razão é esta: as hipóteses astrológicas não são formuladas com clareza e precisão e não indicam quais as circunstâncias em que se pode provar que são falsas; como não se conhecem os factos capazes de as refutar, não é possível testá-las; como não são susceptíveis de testes, as hipóteses da astrologia não são científicas. É por isso que a astrologia, à luz deste critério, é considerada uma pseudociência.

MARCO:      Para concluir: qual é a vantagem de existir esse critério de demarcação entre ciência e não ciência?

CARLA:       Como já afirmei, quanto mais falsificável for um enunciado, mais útil à ciência ele é. Enquanto que uma hipótese não falsificável é inútil para a ciência, uma hipótese falsificável é sempre de grande utilidade. Se não passou nos testes de falsificabilidade, leva os cientistas a formularem outra hipótese que resista melhor; se passou nos testes, a teoria merece ser levada a sério.

MARCO:      Tinhas falado em três aspectos particularmente importantes que, na tua opinião, se podem encontrar na filosofia da ciência de Karl Popper. Já apresentaste dois: a mudança de critério de cientificidade e o critério de demarcação entre ciência e não ciência. Só falta o terceiro...

CARLA:       Que está intimamente relacionado com os anteriores e que é este: ele defende uma nova concepção da ciência, bastante diferente da concepção que tradicionalmente se ensina nas escolas.

CLÁUDIA:  Qual a principal diferença?

CARLA:       A principal diferença é esta: a ciência deixa de ser visto como um conhecimento inequivocamente verdadeiro e passa a ser encarado como um conhecimento aproximado. Há dois aspectos em que esta mudança se torna evidente. O primeiro é este: enquanto que segundo a perspectiva tradicional da ciência o conhecimento é constituído por «leis», na concepção de Popper fala-se de «conjecturas». O segundo aspecto tem a ver com as expectativas da ciência: segundo a perspectiva tradicional, a ciência aspira à verdade; para Popper, no entanto, a expectativa é bem mais modesta: uma vez que foi posta de parte essa ilusão de uma verdade indiscutível, o objectivo da ciência é a construção de conjecturas concebidas para serem melhores do que as conjecturas (ou teorias) anteriores.

CLÁUDIA:  Ou seja: nunca saberemos com toda a certeza se uma teoria é verdadeira, apenas podemos saber que é melhor que a anterior.

CARLA:       Exactamente. É por isso que prefere falar em «aproximação à verdade».


in CAFÉ, Carlos, Eles não sabem que eu sonho… — Um jovem poeta no país da Ciência, 3ª edição, Porto, Edições Asa, 2005

E agora algo completamente diferente: as teses de Popper ilustradas pelos Gato Fedorento

Divirta-se ;)

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